Normalmente não costumo escrever posts com um espaço
temporal tão curto entre eles. Neste caso não é por preguiça, mas porque não
quero massacrar as pessoas que inexplicavelmente continuam a perder tempo com
estes disparates.
No entanto, gostaria de partilhar a minha ida à recôndita
vila de Mabomo, Distrito de Mabalene, Províniva de Gaza.
Antes de contar esta minha viagem, penso que fará algum
sentido explicar o porquê desta minha deslocação. Ora a empresa onde estou a
estagiar cá em Moçambique, a Self Energy, está relacionada com a área das
energias renováveis. Complementarmente a isto, o FUNAE (Fundo de Energia
Moçambique) decidiu lançar um projecto, com o auxílio de fundos europeus, para
a electrificação, através de painéis fotovoltaicos de 50 vilas situadas em
Moçambique e que não possuam energia eléctrica.
A Self Energy ficou então responsável pela electrificação
desta vilas e eu, enquanto mero funcionário e estagiário, estou responsável por
fazer algumas visitas técnicas a avaliar necessidades energéticas e também
alguma direcção de obra, coisas de homens, portanto.
Gosto de olhar para isto como um trabalho humanitário com a
vantagem de ser remunerado. Bem vistas as coisas, eu devo ter o melhor emprego
do mundo! ;)
O rendview ficou
para as 6h na rotunda da OMM (Organização das Mulheres de Moçambique). Fui com
um taxista daqueles nada flexíveis que baixou a parada dos 300 Mts para os 200
Mts. Ao chegar ao destino encontro-me com outro colega de trabalho e com o
motorista (o grande Artur) que nos ia levar.
A carrinha que nos ia levar tinha todas as condições necessárias para chumbar na inspecção à distância, no entanto pareceu-nos a escolha ideal para fazer a viagem de mais de 8 horas com painéis fotovoltaicos e restante material eléctrico em cima. Mal me sento coloco-me à frente no meio dos bancos entre os outros dois viajantes e descubro que não tenho cinto. “Rebentou uma vez” diz o Artur o que me deixou logo descansado sabendo que em caso de embate poderia viver o jogo Angry Birds na óptica dos passarinhos.
Partimos então na nossa viagem. Os primeiros 300 kms
passaram-se de forma mais ou menos tranquila com uma operação Stop de 20 em 20
kms e ao sermos mandados parar logo na primeira por o Artur não levar cinto.
100 paus, um polícia calado e a viagem prossegue.
Chegando a Chokwe a coisa começa a complicar, as estradas em
alcatrão começam a apresentar alguns buracos atrasando assim a nossa marcha.
Mas a coisa torna-se mesmo violenta nos últimos 20 kms entre Mabalane e Mabomo.
Aqui, carreiro, apresenta-se como um sinónimo demasiado simpático para definir
aquilo que assentava debaixo das rodas da camioneta. Desde inclinações, a
buracos, passando por areia, havia de tudo para andarmos a baloiçar lá dentro e
dar 368 cabeçadas no vidro da carrinha.
Posso dizer que entre Chokwe e Mabomo (100 kms) demorámos
4h30, mas que foi aqui que me apercebi que há toda uma outra realidade para
além de Maputo. As pessoas aqui são mais abertas, mais simpáticas, claro que há
sempre um ou outro com o olho para o negócio do fazer dinheiro fácil, mas
nota-se que há aqui um sentimento humano diferente! As pessoas pedem boleia a
qualquer carro que passe (sim, porque aqui é costume dar-se boleia nem que seja
na parte de trás de uma carrinha de caixa aberta a alguém que precise… Mas
depois os civilizados somos nós…). Infelizmente não podíamos dar por estarmos
demasiado carregados, pelo que acenava-mos e as pessoas percebiam, sorriam e
acenavam de volta.
Durante o caminho assiste-se a uma autêntica lição da fauna
e flora Moçambicana. Desde camaleões, a cabras, passando por vacas com um
estranho apetite de enfrentar a carrinha culminando em cobras onde me dão o
seguinte aviso “fecha as janelas que as mambas costumam saltar para dentro dos
carros”.
O auge desta viagem deu-se mesmo quase a chegar à vila
quando nos perdemos e ficámos atolados no meio de nenhures sem rede nos
telemóveis. Não fosse um senhor que trabalhava na África do Sul estar a sair
naquele instante e ainda hoje lá estava a tirar areia às pazadas…
A chegada à vila foi qualquer coisa de mágico, a começar
pela recepção:
Esta, faço
questão que seja a primeira foto a publicar no meu blog pois sinto que isto é a
verdadeira essência humana. Aqui não há segundas intenções, não há maldade nem
mesquinhices. As pessoas são puras, são aquilo que são e tentam ser felizes com
o muito pouco que têm…
Ok, há uma pequena imprecisão
nesta imagem. Esta não foi a primeira impressão que tive da vila. A primeira
visão surgiu quando ao chegarmos à vila um grupo de crianças vem a correr em
direcção à carrinha a sorrir e a acenar. Infelizmente não tinha a máquina
comigo, pelo que essa vai ser sempre uma fotografia que irei guardar apenas na minha
memória.
Depois desta recepção tão boa, fiz a minha visita à vila, onde pude assistir a casas feitas em
madeira, em alvenaria, salas de aula que me fizeram remontar às minhas salas de
aulas da 2ª classe com os quadros pretos, as carteiras dos miúdos em madeira, e
onde assisti acima de tudo, um calor humano único e amistoso especialmente
vindo dos mais “piquenos” (como diria a Manuela Ferreira Leite).
Lamechices à parte, o resto da
visita correu bem. Fomos interpelados por um senhor claramente movido pelo
efeito do “mata-bicho” que começou por nos chamar “mulungos” mas que depois
riu-se e foi-se embora a cambalear (tarefa aliás que se tornou extramente
complicada); por outro senhor que teve o tempo todo da visita a olhar para nós
até que no final veio ter connosco e pedir para tentarmos “arranjar um
bocadinho de electricidade para a loja dele”; Tive a oportunidade de entrar nas
cabanas onde fiquei agradavelmente surpreendido ao ver que apesar de tudo, as
pessoas ainda vivem com o “algumas” condições de conforto; E até de assistir ao
dj local colocar um cd numa aparelhagem e as pessoas da vila, principalmente os
mais novos a ajuntarem-se à volta da cabana para assistirem ao “concerto”.
A vida na vila é do mais pacato
que possa existir, as mulheres estavam de volta da roupa e o do jantar, os
homens jogavam às cartas e conversavam e as crianças brincavam ora com aros de
rodas de bicicletas, ora a inventarem danças.
A viagem de regresso correu de
forma muito menos atribulada, saímos da vila por volta das 16h30 e chegamos a
casa por volta da 1h da manhã. Cheguei a casa cansado, exausto e com um dor de
costas horrível, mas por dentro muito mais completo…
Algumas fotos da vila e do passeio:
Gosto de perceber que te encantas com crianças, mesmoq ue ranhozitas... que chamas de senhor a quem vulgarmente chamamos de "preto"... que te preocupas com o humano quando o que mais falta é o material... que sabes apreciar a vida pacata das gentes africanas...
ResponderExcluirGosto de ler descobertas que fazes sobre "as pessoas são puras" e de ver as fotos da realidade em que encontras "tudo e muito", onde nada parece haver...
Continua o puzzle para que todos nós nos possamos também sentir mais completos... adoro-te pequenino :)
(não gostei da cena das mambas... cuida-te!!!).
Meu filho: estou muito orgulhosa de ti! Continua sempre esse menino lindo por fora e maravilhoso por dentro.
ResponderExcluir(só faltou a foto do carro, mas se calhar foi para eu não me afligir... agora não posso estar sempre a saber se "estás bem"...)