sexta-feira, 1 de junho de 2012

Segunda semana


Confesso que não era para escrever mais que aquele primeiro post. Não é por mal, é preguiça mesmo. Só que depois de ter sido ameaçado de castração química por parte de algumas pessoas que estranhamente ainda se preocupam comigo, vi-me forçado a escrever mais este capítulo. Aviso desde já a minha possível descendência que provavelmente não passaram de um plano por consumar pois não conto continuar a alimentar este vício do blog muito tempo. Aviso também que como tudo na vida, o primeiro post é certamente melhor que este, que o terceiro será ainda pior que o segundo e assim sucessivamente. Como tal, e para quem estava esperançado, pode desde já iludir-se pois ainda não vai ser desta que escrevo alguma coisa decente.

A primeira semana acabou com uma ida a um bairro de Maputo onde finalmente obtive um cheirinho da verdadeira África! As estradas em terra sem pavimento, o comércio local feito em casas compostas por materiais o mais surpreendente possíveis, os putos na rua descalços a correr na rua atrás de pneus e uma simpatia demasiado calorosa com o pessoal a chamar sempre “Oh Mulungu (branco em Chengane)!” apenas para darem um olá. Por momentos confesso que me senti mais importante que o Casimiro dos Plásticos.

As sextas-feiras à tarde em Moçambique são surreais e extremamente ineficientes, desde o simples facto de chegar ao pé de um fornecedor às 15h, pedir-lhe um determinado material e ele responder-me “Chefe, é Sexta à tarde, já fechei o computador!” até ao encontrar um funcionário a cambalear e perguntar-lhe se está bêbado ou anda a fazer buracos na areia ao que ele responde “eu não estou bêbado, eu almocei foi bem!” acontece de tudo.

No final do dia organizou-se o jantar de recepção ao João Venes outro INOV acabadinho de chegar e também ainda a adaptar-se a toda esta realidade (penso que já só faltam chegar 2). Fomos jantar a um restaurante tipicamente português cujo dono (Sr. Vitor) era tipicamente português e como tal, tipicamente forreta para quem de um momento para outro e sem contar com isso, ficou com uma casa cheia com a entrada de um grupo de 20 pessoas.

A noite rolou pelo CFM, que para quem desconhece, é a estação de caminhos de ferro cá do sítio que à Sexta e Sábado à noite se transforma num bar com um dj a passar músicas desde a Lambada, passando pelo Beautiful Lie do Ioav até aquele grande hit, Ana Júlia (coerente no estilo portanto). O espaço é engraçado mas é composto maioritariamente por portugueses o que dificulta um pouco aquela parte de conhecer a cultura local. O facto de ser um bar numa estação de comboios deixa-me sempre confuso pois não consigo deixar de olhar para os carris à espera do intercidades das 6h43 com destino a Chigubuta.

No dia a seguir de manhã, tive de me levantar cedinho porque os donos da casa iam lá buscar os pertences deles. Confesso que me doía um bocadinho a cabeça, não muito, mas o suficiente para quase maltratar os “ajudantes” que não faziam mais que estar à espera que o elevador descesse com os sacos que aqui os “mulungos” carregavam lá para dentro.

4 horas depois estava tudo descarregado e eu e o Néné fomos falar com a senhora da limpeza. Sim, nós vamos ter uma senhora para nos tratar da roupa e da comida, habituem-se! A senhora de seu nome D. Isabel (lembrei-me logo da mulher a dias da minha avó) pareceu simpática e prestável. Claro que como qualquer moçambicano fez o velho choradinho tão banal por estas bandas de que é viúva e tem 4 filhos para criar e que o cão está com uma depressão, o periquito com um reumatismo crónico, and so on… Ficámo-nos pelos 3.500 Meticais mensais (cerca de 100€) já com o transporte incluído. Torceu o nariz, mas é bem melhor que o salário mínimo.

Depois fomos para casa que íamos lá ter alguma malta a ver a selecção da Macedónia jogar contra outra selecção qualquer (há quem diga que era a selecção nacional, eu sinceramente não acredito nisso). Entre várias discussões chegou-se à conclusão de que a Académica era o melhor clube do Mundo e que o golo do Marinho no final da Taça de Portugal foi o golo mais bonito da história (é possível que se tenha chegado a outra conclusão, mas eu é que estou a contar a história, por isso eu é que sei!).

Depois do jogo jantou-se, bebi finalmente um bom copo de vinho tinto e fomos confraternizar para o Dolce Vita (um bar com bom aspecto e que volta e meia tem música ao vivo). Claro que depois disso deveria ter ido para casa, mas como bom amigo que sou do Luciano, não o queria deixar ir sozinho e então fomos ao Ice. 

O Ice fica ao lado do Coconuts (maior discoteca de África) e tem um aspecto nada a ver com a realidade rural. Toda a gente está bem vestida, toda a gente tem dinheiro, as pessoas parecem saídas de um qualquer catálogo de moda africano e paga-se a módica quantia de 500 Mts para entrar (o salário mínimo relembro que ronda os 3.000 Mts). Entre algumas peripécias (que vou obviamente ocultar porque a minha mãe ao que parece lê isto e vai contar ao meu cão) posso dizer que eu e o Luciano éramos os mais maltrapilhos lá do sítio mas que mesmo assim não pagamos entrada. Não interessa como, há segredos que devem ser bem guardados, mas garanto que não houve qualquer tipo de favor sexual envolvido à mistura.

No final da noite fomos comer ao Psiocológico cá do sítio que mais parecia um local de transacção de estupefacientes. Entrámos num beco onde está uma pessoa atrás de um gradeamento apenas com um pequeno espaço que claramente servirá para a passagem de objectos. Aconselham-nos a pedir meia galinha e assim o fazemos. Dão-nos um saco azul para a mão e pedem-nos 70 paus (pouco mais de 1€). Neste momento senti-me uma verdadeira Fátima Felgueiras.

A nossa casa nesta noite parecia um verdadeiro albergue juvenil com o dobro das pessoas residentes a dormirem por lá, desde desterrados oriundos da Matola (que fica a 20 kms de Maputo) passando por pessoas com problemas de locomoção e de capacidade cognitiva, havia de tudo portanto!
Na manhã seguinte os donos da casa voltaram para tirar o resto das coisas. O tempo de espera moçambicano é claramente diferente do europeu. Pelo menos em Portugal quando nos dizem que demoram só 15 minutos não aparecem apenas ao fim de 2 horas com um sorriso na cara (excepto eu, claro).

Confesso que fiquei mesmo feliz quando saíram, pude finalmente arrumar as roupas! É que o ter de andar sempre a revirar sacos e mais sacos em busca de qualquer coisa já me estava a irritar um bocado. Sentia-me um verdadeiro Indiana Jones em busca de qualquer artefacto sempre que queria procurar um simples par de meias.

Depois de terem saído fui dar uma volta a conhecer um pouco mais da cultura local, e o que é que uma pessoa faz quando quer conhecer a cultura local? Vai para uma tasca!! Após o efeito tasca fomos jantar a uma feira de artesanato com comidas típicas, música ao vivo, danças, o povo moçambicano anda sempre em festa como se deve imaginar.

Os moçambicanos primam muito o sair no Domingo ao final do dia. Encontram-se todos numa tasca ou mesmo em plena rua, abrem as malas dos carros e ficam até tarde a beber cerveja e a ouvir música. Penso que eles gostam mesmo de dar sentido à frase “I hate Mondays”.
A meio da semana assisti pela primeira vez a chuva desde que cá estou. Claro que até o raio do clima tinha de ser diferente! Conseguia ouvir a chuva a cair, conseguia ver alguns pingos, mas não me chovia em cima… Era como estar a viver uma mini tempestade tropical a acontecer à minha frente sem me molhar! Claro que este momento foi raro pois normalmente o tempo por estas bandas é solarengo. Se bem que um Sol um pouco alternativo. Não existe aquela luz radiante a acompanhar um céu completamente azul. O céu aqui é solarengo, mas parece que está sempre coberto por uma leve névoa cobrindo a cidade daquele tom avermelhado e quente tipicamente africano. Outro exemplo do estranho clima de cá aconteceu logo nos primeiros dias com os termómetros a acusarem 32º C mas, devido a toda a humidade e por ser uma cidade costeira, andava-se tranquilamente na rua. Nem sempre vai ser assim, garantiram-me.

O final da semana acabou de uma forma mágica com a visita à pequena vila de Mabombo situada a mais de 300 kms de Maputo. Mas esta aventura merece que dedique um post exclusivo.

A semana correu bem, as saudades de casa começam obviamente a causar a sua mossa mas a adaptação a toda esta nova realidade com o espirito Moçambicano incutido começa a interiorizar-se. Continuo na minha luta atrás de um guitarra feita por algum artista local e também a luta dos rapazes do Inov por uma futebolada. 

Apesar de ser tudo estranho e diferente penso que vamos gostar desta aventura, aliás, tantos e tantos portugueses ficaram por cá é porque que esta terra tem mesmo algo de mágico para oferecer. Não desanimando e uma mente aberta e estou certo que encontraremos essa magia mais cedo que do que estamos à espera!

2 comentários:

  1. Nem penses que vais parar de escrever estes "posts". ainda ganhar ums tostõezitos com a publicação destas crónicas. Não percebi bem aquela de eu estar a ler e tu não poderes contar... em ti já nada me surpreende (nas moinices é claro!) Porque agora estás-me a surpreender como "homenzinho africander". Beijos

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  2. Priminho, deixar de escrever (e muito bem) este blog está fora de questão, eu já "atirei" para o lado o meu livro de cabeceira agora sigo religiosamente o teu blog :)! Estou a adorar!!

    Beijinho

    Andreia

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