Confesso que não era para escrever mais que aquele primeiro
post. Não é por mal, é preguiça mesmo. Só que depois de ter sido ameaçado de
castração química por parte de algumas pessoas que estranhamente ainda se
preocupam comigo, vi-me forçado a escrever mais este capítulo. Aviso desde já a
minha possível descendência que provavelmente não passaram de um plano por
consumar pois não conto continuar a alimentar este vício do blog muito tempo.
Aviso também que como tudo na vida, o primeiro post é certamente melhor que
este, que o terceiro será ainda pior que o segundo e assim sucessivamente. Como
tal, e para quem estava esperançado, pode desde já iludir-se pois ainda não vai
ser desta que escrevo alguma coisa decente.
A primeira semana acabou com uma ida a um bairro de Maputo
onde finalmente obtive um cheirinho da verdadeira África! As estradas em terra
sem pavimento, o comércio local feito em casas compostas por materiais o mais
surpreendente possíveis, os putos na rua descalços a correr na rua atrás de
pneus e uma simpatia demasiado calorosa com o pessoal a chamar sempre “Oh
Mulungu (branco em Chengane)!” apenas para darem um olá. Por momentos confesso
que me senti mais importante que o Casimiro dos Plásticos.
As sextas-feiras à tarde em Moçambique são surreais e
extremamente ineficientes, desde o simples facto de chegar ao pé de um
fornecedor às 15h, pedir-lhe um determinado material e ele responder-me “Chefe,
é Sexta à tarde, já fechei o computador!” até ao encontrar um funcionário a
cambalear e perguntar-lhe se está bêbado ou anda a fazer buracos na areia ao
que ele responde “eu não estou bêbado, eu almocei foi bem!” acontece de tudo.
No final do dia organizou-se o jantar de recepção ao João
Venes outro INOV acabadinho de chegar e também ainda a adaptar-se a toda esta
realidade (penso que já só faltam chegar 2). Fomos jantar a um restaurante
tipicamente português cujo dono (Sr. Vitor) era tipicamente português e como
tal, tipicamente forreta para quem de um momento para outro e sem contar com
isso, ficou com uma casa cheia com a entrada de um grupo de 20 pessoas.
A noite rolou pelo CFM, que para quem desconhece, é a
estação de caminhos de ferro cá do sítio que à Sexta e Sábado à noite se
transforma num bar com um dj a passar músicas desde a Lambada, passando pelo
Beautiful Lie do Ioav até aquele grande hit, Ana Júlia (coerente no estilo
portanto). O espaço é engraçado mas é composto maioritariamente por portugueses
o que dificulta um pouco aquela parte de conhecer a cultura local. O facto de
ser um bar numa estação de comboios deixa-me sempre confuso pois não consigo
deixar de olhar para os carris à espera do intercidades das 6h43 com destino a
Chigubuta.
No dia a seguir de manhã, tive de me levantar cedinho porque
os donos da casa iam lá buscar os pertences deles. Confesso que me doía um
bocadinho a cabeça, não muito, mas o suficiente para quase maltratar os
“ajudantes” que não faziam mais que estar à espera que o elevador descesse com
os sacos que aqui os “mulungos” carregavam lá para dentro.
4 horas depois estava tudo descarregado e eu e o Néné fomos
falar com a senhora da limpeza. Sim, nós vamos ter uma senhora para nos tratar
da roupa e da comida, habituem-se! A senhora de seu nome D. Isabel (lembrei-me
logo da mulher a dias da minha avó) pareceu simpática e prestável. Claro que
como qualquer moçambicano fez o velho choradinho tão banal por estas bandas de
que é viúva e tem 4 filhos para criar e que o cão está com uma depressão, o
periquito com um reumatismo crónico, and so on… Ficámo-nos pelos 3.500 Meticais
mensais (cerca de 100€) já com o transporte incluído. Torceu o nariz, mas é bem
melhor que o salário mínimo.
Depois fomos para casa que íamos lá ter alguma malta a ver a
selecção da Macedónia jogar contra outra selecção qualquer (há quem diga que
era a selecção nacional, eu sinceramente não acredito nisso). Entre várias
discussões chegou-se à conclusão de que a Académica era o melhor clube do Mundo
e que o golo do Marinho no final da Taça de Portugal foi o golo mais bonito da
história (é possível que se tenha chegado a outra conclusão, mas eu é que estou
a contar a história, por isso eu é que sei!).
Depois do jogo jantou-se, bebi finalmente um bom copo de
vinho tinto e fomos confraternizar para o Dolce Vita (um bar com bom aspecto e
que volta e meia tem música ao vivo). Claro que depois disso deveria ter ido
para casa, mas como bom amigo que sou do Luciano, não o queria deixar ir
sozinho e então fomos ao Ice.
O Ice fica ao lado do Coconuts (maior discoteca de África) e
tem um aspecto nada a ver com a realidade rural. Toda a gente está bem vestida,
toda a gente tem dinheiro, as pessoas parecem saídas de um qualquer catálogo de
moda africano e paga-se a módica quantia de 500 Mts para entrar (o salário
mínimo relembro que ronda os 3.000 Mts). Entre algumas peripécias (que vou
obviamente ocultar porque a minha mãe ao que parece lê isto e vai contar ao meu
cão) posso dizer que eu e o Luciano éramos os mais maltrapilhos lá do sítio mas
que mesmo assim não pagamos entrada. Não interessa como, há segredos que devem
ser bem guardados, mas garanto que não houve qualquer tipo de favor sexual
envolvido à mistura.
No final da noite fomos comer ao Psiocológico cá do sítio
que mais parecia um local de transacção de estupefacientes. Entrámos num beco
onde está uma pessoa atrás de um gradeamento apenas com um pequeno espaço que
claramente servirá para a passagem de objectos. Aconselham-nos a pedir meia
galinha e assim o fazemos. Dão-nos um saco azul para a mão e pedem-nos 70 paus
(pouco mais de 1€). Neste momento senti-me uma verdadeira Fátima Felgueiras.
A nossa casa nesta noite parecia um verdadeiro albergue
juvenil com o dobro das pessoas residentes a dormirem por lá, desde desterrados
oriundos da Matola (que fica a 20 kms de Maputo) passando por pessoas com
problemas de locomoção e de capacidade cognitiva, havia de tudo portanto!
Na manhã seguinte os donos da casa voltaram para tirar o
resto das coisas. O tempo de espera moçambicano é claramente diferente do
europeu. Pelo menos em Portugal quando nos dizem que demoram só 15 minutos não
aparecem apenas ao fim de 2 horas com um sorriso na cara (excepto eu, claro).
Confesso que fiquei mesmo feliz quando saíram, pude
finalmente arrumar as roupas! É que o ter de andar sempre a revirar sacos e
mais sacos em busca de qualquer coisa já me estava a irritar um bocado.
Sentia-me um verdadeiro Indiana Jones em busca de qualquer artefacto sempre que
queria procurar um simples par de meias.
Depois de terem saído fui dar uma volta a conhecer um pouco
mais da cultura local, e o que é que uma pessoa faz quando quer conhecer a
cultura local? Vai para uma tasca!! Após o efeito tasca fomos jantar a uma
feira de artesanato com comidas típicas, música ao vivo, danças, o povo
moçambicano anda sempre em festa como se deve imaginar.
Os moçambicanos primam muito o sair no Domingo ao final do
dia. Encontram-se todos numa tasca ou mesmo em plena rua, abrem as malas dos
carros e ficam até tarde a beber cerveja e a ouvir música. Penso que eles
gostam mesmo de dar sentido à frase “I hate Mondays”.
A meio da semana assisti pela primeira vez a chuva desde que
cá estou. Claro que até o raio do clima tinha de ser diferente! Conseguia ouvir
a chuva a cair, conseguia ver alguns pingos, mas não me chovia em cima… Era
como estar a viver uma mini tempestade tropical a acontecer à minha frente sem
me molhar! Claro que este momento foi raro pois normalmente o tempo por estas
bandas é solarengo. Se bem que um Sol um pouco alternativo. Não existe aquela
luz radiante a acompanhar um céu completamente azul. O céu aqui é solarengo,
mas parece que está sempre coberto por uma leve névoa cobrindo a cidade daquele
tom avermelhado e quente tipicamente africano. Outro exemplo do estranho clima
de cá aconteceu logo nos primeiros dias com os termómetros a acusarem 32º C
mas, devido a toda a humidade e por ser uma cidade costeira, andava-se
tranquilamente na rua. Nem sempre vai ser assim, garantiram-me.
O final da semana acabou de uma forma mágica com a visita à
pequena vila de Mabombo situada a mais de 300 kms de Maputo. Mas esta
aventura merece que dedique um post exclusivo.
A semana correu bem, as saudades de casa começam obviamente a causar a sua mossa mas a adaptação a toda esta
nova realidade com o espirito
Moçambicano incutido começa a interiorizar-se. Continuo na minha luta atrás de um
guitarra feita por algum artista local e também a luta dos rapazes do Inov por
uma futebolada.
Apesar de ser tudo estranho e diferente penso que vamos
gostar desta aventura, aliás, tantos e tantos portugueses ficaram por cá é
porque que esta terra tem mesmo algo de mágico para oferecer. Não desanimando e
uma mente aberta e estou certo que encontraremos essa magia mais cedo que do
que estamos à espera!
Nem penses que vais parar de escrever estes "posts". ainda ganhar ums tostõezitos com a publicação destas crónicas. Não percebi bem aquela de eu estar a ler e tu não poderes contar... em ti já nada me surpreende (nas moinices é claro!) Porque agora estás-me a surpreender como "homenzinho africander". Beijos
ResponderExcluirPriminho, deixar de escrever (e muito bem) este blog está fora de questão, eu já "atirei" para o lado o meu livro de cabeceira agora sigo religiosamente o teu blog :)! Estou a adorar!!
ResponderExcluirBeijinho
Andreia