Adiante, tive a minha primeira semana no mato à Indiana
Jones mas em vez de chicote tinha uma navalha e uma bussola… Objectivo da
viagem, visitar as vilas de Chiputo, Zâmbuè e Tonguè. Não, não estou a tirar
bocados de massa de uma sopa de letras e a misturá-las a tentar criar nomes, as
vilas chamam-se mesmo assim!
Parti numa Segunda-Feira onde às 5h30 já estava em grande
forma, depois do fim-de-semana mal dormido na Ilha da Inhaca (sobre o fim-de semana em Inhaca não vou falar, se quiserem perguntem a quem lá esteve), no aeroporto
internacional de Maputo para apanhar o meu voo com destino a Tete.
O aeroporto, curiosamente, já não me pareceu tão mau desta
vez. Parecia uma coisa muito mais organizada e até conseguiu reparar que estão
a construir uma ala nova. Claro que tinham de ser os chineses a construir e claro
que que já lá estão duas torres com todo o aspecto oriental. Até as placas de
segurança estão escritas em Mandarim o que deve ser de bastante utilidade para
os trabalhadores moçambicanos. Há quem lhe chamam de globalização, eu prefiro o
termo “conquista territorial”…
Cheguei a Tete por volta das 9h num voo em que o piloto
tinha competências natas para as aterragens mas que tinha tanto jeito para as
curvas como o Pedro Lami num F1. Estive cerca de 1 hora à espera das malas e é
aí que encontro o Sr. Tomé, o motorista que me ia andar a conduzir durante os
próximos 5 dias.
Do aeroporto fomos directos ao FUNAE ter com o Eng. Militão
que também iria fazer as visitas connosco. Confesso que aqui tremi um
bocadinho… É que não conseguia parar de associar o nome Militão ao outro que
andou entre aqueles portugueses em Fortaleza, no Brasil. Ao que parece este não
era nenhum visionário na arte da indústria cimenteira e do betão o que me
tranquilizou. Após os cumprimentos formais seguimos viagem…
O primeiro destino era Fingoè onde iriamos pernoitar pois
era a meio do caminho. Sim apesar de ter vindo de avião, ainda tinha mais de
500 kms pela frente em estradas onde eu não metia uma manada de vacas (que há
várias) quanto mais a nossa 4x4.
Chegámos a Fingoè, depois de uma curta visita por Chiputo,
já de noite e decidimos ir a uma barraquita de uma senhora comer qualquer
coisa. Pedimos uma galinha com chima que demorou cerca de 2 horas e após muita
pressão exercida da nossa parte (foram literalmente matar a galinha para nós).
Jantados, porcos e cansado deslocamo-nos para a pensão.
Fiquei num quarto com casa de banho privativa e tudo! Luxo, penso eu hoje…
Decidi tomar um banho mas reparo que o chuveiro apenas tinha uma torneira e não
tinha água quente... Decido reportar este facto ao rapaz da pensão que olha
para mim, ri-se e desaparece! Gajo porreiro, penso eu… Volta passados alguns
minutos com um balde cheio de água quente e uma caneca. Ainda esperei que
viesse um casal de arias para me banharem como no tempo da Roma antiga mas foi
pura ilusão.
Entre deitar-me cheio de pó que se impregnava em cada poro
do meu corpo ou o balde e a caneca com aspecto francamente duvidoso que no que
a higiene diz respeito, optei pelo banho! Ah homem! Vou para me deitar e reparo
que o lençol da cama mais parecia uma cena tirada do CSI onde não seria preciso
a luz negra nem a lupa para encontrar as provas do crime. Por sorte, ou vá por
aviso do pessoal antes da minha partida, tinha levado o meu próprio lençol, um
saco cama e a minha rede mosquiteira.
No dia seguinte arrancámos em direcção à segunda vila. Fomos
directos à chefe do posto administrativo (funciona como a chefe da vila) que
não estava. Tentei então falar com a secretária dela onde estive 10 minutos com
a senhora a acenar e a sorrir como se absorvesse cada palavra. No final
pergunto se percebeu o que eu disse ao que ela me responde com um sorridonho
“Não!” Não fosse o Militão a falar Chona (dialecto de Tete) e ainda estava lá
hoje.
A visita correu dentro das normalidades com praticamente todos
os habitantes e pedir-me para lhes instalar pelo menos uma lâmpada na barraca
feita de palha. Tentei explicar que a coisa não era assim tão linear, mas este
foi um processo claramente em vão.
A meio da tarde seguimos para Zumbu onde iriamos dormir. O caminho
até Zumbu pura e simplesmente não existe… Penso que só por uma vez passámos os
40 km/h nos mais de 100 kms que fizemos. Ainda passámos por um camião que
devido ao peso tinha conseguido a proeza de desabar uma ponte dos anos 60.
Morreu uma criança que ia na parte de cima com a mãe.
Chegados a Zumbu somos recebidos pelo Sr. Vítor, dono da
pensão, e claramente o R.P. lá da vila. Prontamente nos mostra a vila e todo o
progresso que estava a ser alvo. Desde a maternidades, centros de saúde,
enfermarias, jardins, grande parte da vila estava em construção com o sem que
ninguém conhecesse a origem dos fundos que estavam ali a ser investidos. Devo
referir que Zumbu fica na fronteira entre a Zâmbia e o Zimbabué e que é usada
como posto fronteiriço e de controlo migratório. É de resto uma visão
lindíssima estar em Zumbu e ver o rio Zambeze a dividir duas montanhas sendo
que de um lado corresponde à Zâmbia e do outro o Zimbabué e ver ainda o
afluente deste mesmo rio a dividir Moçambique dos seus dois países vizinhos.
Forma-se ali um delta tropical rochoso muito bonito. Eu sei, devia ter tirado
fotos…
O Sr. Vítor estranha a minha forma de falar e desconfia que
seja português (uma constante aliás desde que ando por Moçambique). Informa-nos
ainda que há um leão que todos os dias às 16h da tarde passeia pela rua
principal da aldeia o que me colocou logo num misto de perplexidade. Por um
lado estranhava a enorme pontualidade do leão, por outro o facto de poder ter
de viver de perto uma daquelas perseguições do National Geographic vista do
lado da presa.
Jantamos um belo peixinho (Pembe) com chima (estou viciado
nisto) e vou para o quarto por volta das 19h da noite. Mal abro a porta vejo
uma osga grande e gorda a rastejar pela parede. Fome não ia claramente passar…
Ainda pensei tomar um banho rápido antes de adormecer, mas
rapidamente me apercebi que o quão luxo era aquilo do quarto banho privativo e
que para tomar banho teria que ir a um anexo que tinha uma simples parede
demasiado baixa a servir de separação. Deixei o banho para de manhã, se é para
andar nú à frente de toda a gente, ao menos que gente com luz para se ver bem.
Lá dormi eu com o meu amigo Lagarto (não confundir com o
Pedro Lagartixo por favor) e arrancámos ainda de madrugada para Tonguè. No
caminho decidimos ir por um atalho (o que aliás é uma excelente atitude quando
se anda pelo meio do mato) que se dizia ser composto por leões e elefantes e
que volta e meia alguns se lembravam de atacar os carros. Bámos (como diz o
outro) lá então! É de adrenalina que o meu povo gosta!
Chegando ao destino… Nada, nem um bocadinho de marfim a
perfurar o chassis da carrinha, nem uma cicatriz de mordidelazita de um felino
para mais tarde contar aos netos, não vi nada de animais selvagens, quer
dizer…Espera, vi um cão, estava na selva, ok, vi um cão selvagem!
Visitamos a vila e voltámos para Fingoè para pernoitar.
Tentámos falar com uma senhora oriunda do Zimbabué que nos tinha servido o
pequeno-almoço na manhã anterior na tentativa de nos arranjar algo para cear,
mas em vão pois segundo a própria, já não tinha mais nenhuma galinha para matar
(ai se ainda tivesse aquele lagarto à mão). Recorremos então ao outro que
demorava duas horas a servir se bem que desta vez tentámos uma abordagem mais
prudente; chegámos ao local às 18h30, pedimos uma galinha e dissemos para
mandar um toque para o telemóvel quando tivesse pronta que iríamos estar pela
pensão a descansar. Entretanto, chegam as 20h30 e a rede da Mcel (é tipo a TMN
cá do sítio)tinha ido em vulgo português, com os cães. Tomámos então a sensata
decisão de ir até ao restaurante na esperança que a dona já tivesse a trepar
paredes desesperada por não nos conseguir ligar. Hum hum, puro engano… “Está
quase!”, informa o marido da senhora. O “quase” durou até às 21h30 altura em
que nos fartamos e rumamos aos quartos cheios de fome e com o orgulho ferido.
No dia seguinte o Militão informa-me que tinha recebido uma mensagem com o
seguinte texto “A comida está na mesa”. Eram 22h30, sim, 4 horas é o tempo de
preparação de uma galinha naquele estabelecimento. Claramente não está a tentar
concorrer para nenhuma estrela Michelin…
Na manhã seguinte deslocámo-nos para Tete onde iria ter de
fazer alguma prospecção de mercado (e o que eu adoro fazer trabalho de
comercial??). Fiquei na estalagem Zina Pipia que, apesar de não ser melhor que
um qualquer motel situado na IC2, pareceu-me um verdadeiro Hotel Ritz. Claro
que tomar banho também era usando a técnica da caneca, tinha mais mosquitos que
uma fossa de céu aberto e os lençóis parecia que tinham sido usados e virados
do avesso, mas fora isso tinha ar condicionado, TV com um canal bastante
interessante onde estavam sempre a passar filmes e um restaurante que dava para
petiscar qualquer coisa e até assistir ao Portugal x República Checa.
Obviamente que em Moçambique assistir a um simples jogo de
futebol tem o seu quê de aventureiro. Chegada à hora do jogo a minha pessoa
decide deslocar-se para o restaurante na tentativa de ver os miúdos a darem uns
toques na bola. Sento-me ao balcão (sou tuga ou não sou?!?) e peço um prego no
prato e um 2M (fino para o pessoal do Norte / Centro, imperial para aquela
malta abaixo do Mondego com a mania que têm direito a uma cerveja especial). A
dona dormia, como aliás o fazia à hora do almoço, pelo que tive de a acordar de
forma delicada com um “OH FACHAVOR!!”.O café estava à pinha e curiosamente
desta vez os moçambicanos até torciam pelos lusos. O pessoal bebia cerveja,
comia e fazia despesa para a casa até que chega o intervalo.
Ainda estava eu a digerir aquelas bolas todas ao poste e a
pensar pedir outro FINO quando a senhora dona do estabelecimento acorda e
pergunta “já acabou?”. Expliquei-lhe que não que era intervalo e que ainda
havia outra parte de 45 minutos. “Ahh” diz ela, “Vamos embora!”…Ficou o café
todo perplexo a pensar como é que alguém era capaz de fazer uma coisa daquelas
num jogo daqueles ainda por cima com a casa cheia e pessoas ainda a jantar.
Tentámos motivá-la, alguns quase à força mas em vão.
Decido então não perder mais tempo com aquilo e frustrado,
nervoso e irritado decido tentar arranjar outro poiso para ver o resto do jogo.
Peço ao recepcionista para me chamar um táxi que me diz que aquela hora já não
havia táxis. Por sorte estava um parado mesmo à porta da pensão que me leva a
uma pastelaria muçulmana que, para não variar, não vendia álcool (acho que são
alérgicos). Sento-me ao lado de um senhor também português mesmo a tempo de ver
o golo do Ronaldo enquanto bebia uma angustiante Coca-Cola…
No dia seguinte tinha o avião para Maputo. Os comandantes obedecem
ao bom estilo moçambicano e chegam 1 hora atrasados sem qualquer tipo de aviso.
Entro no avião e ainda estava eu a pensar em que fazer durante 2 horas quando
se sentam três indivíduos bastante animados ao meu lado. Conversa para aqui,
conversa para ali chego à conclusão que estão bêbados… Esta foi uma conclusão
que cheguei rapidamente quando a hospedeira os mandou calar três vezes e quando
eles me decidiram pagar whiskeys… 137 avisos e depois de descobrir que afinal
um deles até trabalhava com a minha empresa, aterramos em Maputo em que a
primeira coisa que me vem à cabeça foi “Estou em Nova Yorque!”
Entretanto chego mesmo a tempo de ainda apanhar o pessoal
que ia de fim-de-semana para o Tofo. Sobre o Tofo não há muito para dizer
porque sinceramente não me lembro de muito. Sei que se criou um Irmandade de
pessoal que arriscou a vida a ir à praia do Tofinho onde mais uma vez o João
Vieira não esteve presente, que a Rita Russo diz que é campeã nacional de
senhoras de Bridge (é assim, não é?) mas que no diz respeito à sueca e ao king
não passa dos campeonatos regionais, que andam baleias brancas à solta pela
praia do Tofo, afinal Moçambique tem praias com ondas, que as capacidades de
organização e planeamento da Patrícia Lima continuam espectaculares, por falar
na Patrícia Lima, é a única pessoa que conheço em que pomos o mp3 em modo
aleatório e toca quase sempre a mesma música… Vá, tenho também que dar uma
palavra de apreço à Romina que conseguiu arranjar uma carrinha para nos levar que tinha impresso na traseira “Hell Boy”
(não sei…); de salientar ainda o nosso entertarneir João
Venes com a sua capacidade única de contar anedotas e de nos animar com
cantares alentejanos e que o Dino morreu… Quem é o Dino? Não sei, mas há todo
um bar dedicado à sua morte que eu e o Luís conseguimos reservar para os Inov’s
que infelizmente preferiram ficar a jogar cartas… Não há respeito, nem pelo
Dino… Já agora, foi muito bom ver o Luís e o Charles como dj’s de serviço, mas
era melhor se alguém lhes cortasse o cabo de alimentação da mesa de mistura ou
das colunas.
E pronto, não me alongo mais porque já sei que isto está
muito grande e que o pessoal mal abre pensa que é grande e que lê depois e que
eu sou uma besta e mais não sei quê. Agora estou por Quelimane onde passei mais
15 dias no mato, se bem que para isso dedico outro capítulo. Só espero chegar a
Maputo e ainda lá estarem pessoas…
Estamos juntos!
... então???!!! Já te liamos outra vez :) Adorei este post mas deste-me uma valente trabalheira. Desisti de imaginar como seria Zumbo, Chiputo, Tongué, Quelimane, Zâmbia, Zambeze, Quelimane... passei ao Google Earth o qual poderias ter enriquecido com mais umas quantas fotos, para além das poucas que existem. Parece-me que tocaste o paraiso... paragens fantásticas, miúdo! :) ***** x muitos
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